No bojo do artigo se buscará a construção do panorama da evolução jurisprudencial acerca da extensão do instituto de recuperação judicial para os produtores rurais, elencando o contraponto argumentativo consolidada pela reforma da Lei 11.101/2005, bem como expor as principais novidades introduzidas pela Lei 14.112/2020.
Por intermédio do presente estudo se pretende delinear a consolidação de entendimento favorável ao ingresso dos produtores rurais com o pleito de recuperação judicial, posteriormente positivada pela Lei nº. 14.112/2020, inclusive, buscando apresentar inovações positivas que beneficiam o pequeno produtor rural.
O agronegócio, ao mesmo tempo em que tem impulsionado, ao longo dos últimos anos, a economia nacional, auferindo ganhos que ultrapassam a marca de 20% do PIB do país, em decorrência das inúmeras variáveis de ordem natural e mercadológica, também vem sofrendo com o alto grau de endividamento.
Tal cenário faz com que os produtores rurais recorram ao instituto da recuperação judicial como medida mais eficaz para o enfrentamento de crises desta natureza. Ocorre que, em razão da faculdade atribuída ao produtor rural em registrar-se perante a junta comercial para exercício de sua respectiva atividade, travou-se no âmbito dos tribunais pátrios discussão quanto a possibilidade de deferimento da recuperação judicial para o produtor rural que, apesar de já desenvolver atividade empresarial rural há muitos anos, efetuou seu registro a menos de dois anos da propositura da ação.
Tal discussão fora devidamente pacificada pela Colenda Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, onde decidiu-se pela viabilidade do produtor rural poder requerer a concessão de recuperação judicial mesmo que tenha efetuado seu registro a menos de 2 (dois) anos do pleito.
E ainda, para chancelar o entendimento exposto, adveio a promulgação da Lei nº. 14.112/2020, a qual alterou o artigo 48, da Lei nº. 11.101/2005, consolidando o que já havia sido afirmado no julgamento do REsp nº. 1.800.032/MT, e ainda, acrescentando a possibilidade de apresentação de plano especial para os produtores de pequeno porte, desde que o total do endividamento não ultrapasse o valor de R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).
Sabe-se que, para se ingressar com o pedido de recuperação judicial, e obter a concessão dos benefícios previstos, se faz necessário atentar-se aos requisitos elencados no artigo 48 da Lei nº. 11.101/05.
No ínterim do arcabouço legal apresentado, considerando a faculdade do produtor rural em registrar-se na Junta Comercial, mesmo exercendo de fato atividade econômica empresarial, e ainda, em decorrência da Lei de Recuperação Judicial ser dirigida somente a empresários que exerçam sua atividade há mais de 2 (dois) anos, observou-se um movimento dos produtores rurais efetuarem sua inscrição perante a Junta Comercial há menos de 2 (dois) anos, como estratégia para se beneficiarem o famigerado instituto de soerguimento.
Portanto, as questões postas e amplamente debatidas pela jurisprudência pátria, cujos os fundamentos serão a seguir analisados, tratam da possibilidade de pedido de recuperação judicial de produtor exercente de atividade rural há mais de dois anos embora registrado na Junta Comercial há menos tempo.
A questão ora trazida à baila, através do REsp nº. 1.800.032/MT, foi objeto de enfrentamento do tribunal da cidadania. O ponto central da fundamentação encontra-se fulcrado na responsabilização do produtor rural pelas suas escolhas. Desta forma, explica o Relator que o produtor rural já possui diversos benefícios e privilégios em face aos demais segmentos, como por exemplo, vantagens bancárias e regime tributário diferenciado, sendo que, não poderia, a seu bel prazer, migrar para regime jurídico empresarial apenas para colher também os bônus atribuídos a este setor.
Contudo, o Ministro Raul Araújo evidencia caráter facultativo do registro do produtor rural, argumentando que o artigo 966 do Código Civil apenas retira da qualidade de empresário aqueles que exercem atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística.
Explica que, com base na leitura dos artigos 967, 968, 970 e 971, todos do Código Civil, nota-se que o produtor rural, mesmo requerer sua inscrição, estará sempre em situação regular, ante a faculdade que lhe confere os dispositivos supramencionados, os quais admitem a distinção do empresário rural e do empresário comum, sendo que este último está obrigado a requerer o seu registro.
Seguindo esta linha de raciocínio, o Ministro Luis Felipe Salomão ressalta que o registro do empresário na Junta Comercial possui natureza declaratória.
E ainda, seguindo a argumentação do Ministro Raul Araújo, o estudo das determinações dos artigos 970 e 971 do Código Civil em conjunto com o artigo 48 da Lei nº. 11.101/2005, não se encontra restrição quanto ao tratamento favorecido, diferenciado e simplificado despendido aos produtores rurais, sendo que, tal leitura sistematizada, revela apenas a necessidade de comprovação, no momento do pedido de recuperação judicial, que se explora a atividade rural há mais de 2 (dois) anos.
Concluindo, que a recuperação judicial, quando requerida através desta perspectiva, abrangerá todos os créditos constituídos e pendentes que decorram da atividade empresarial.
Ao final, arrematando a questão, seguindo a divergência, o Excelentíssimo Senhor Ministro Antônio Carlos Ferreira argui que “a pretensão do recorrente de forma alguma pode ser qualificada como deslealdade processual ou má-fé”.
Ademais, a lei nº. 14.112/2020 trouxe alterações significativas na redação do artigo 48, da Lei nº. 11.101/2005, primeiro, pacificando a discussão quanto à discussão quanto ao cabimento ou não de recuperação judicial em prol do produtor rural que exerce sua atividade há mais de dois anos, mesmo tendo efetuado sua inscrição na Junta Comercial em período inferior .
Além disso, também restringiu as possibilidades de prova de exercício de atividade rural empresarial em face da formatação adotada no REsp nº. 1.800.032/MT, no qual se admitia a realização da comprovação por qualquer meio de prova, contudo, assim como bem salientou Costa (2022, p.131), “ela também acaba por conferir maior segurança jurídica e previsibilidade a eventual futura inscrição do produtor rural em Junta Comercial – com vistas a possibilitar seu pedido recuperacional”.
Outra inovação trazida pela Lei nº. 14.112/2020, foi a inclusão do artigo 70-A na Lei nº. 11.101/2005. A referida alteração faculta ao produtor rural pessoa física a apresentação de um plano especial de recuperação judicial, desde que o valor da causa, o qual deverá corresponder ao total dos créditos sujeitos à recuperação judicial, não exceda a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).
Indubitavelmente, a concessão de recuperação judicial para os produtores rurais se apresenta como um mecanismo de extrema relevância para a manutenção de várias empresas rurais, favorecendo o crescimento econômico do segmento e, por consequência, propiciando a manutenção de empregos e da dignidade de vários trabalhadores vinculados a este setor.