O presente artigo abordará as práticas que caracterizam fraude contra credores no curso da falência, da recuperação judicial ou extrajudicial.
No Brasil é comum certo preconceito com o ordenamento da recuperação judicial, principalmente quando a confundem com a antiga concordata ou até mesmo com a falência. O preconceito surge tanto dos próprios empresários que relutam em admitir que o melhor caminho e em alguns casos o único caminho é a Recuperação Judicial, quanto dos credores e colaboradores que possuem a imagem de que a Recuperação Judicial veio para prejudicá-los, e na verdade essa não é a sua função. Na realidade esse temor surgiu de experiencias traumáticas de gerações passadas, onde a concordada e a própria falência marcou época pela má gestão, abusos cometidos e prejuízos aos credores e a sociedade com um todo.
Ocorre, todavia, que após a promulgação da lei 11.101/05, a recuperação judicial começou uma nova jornada e uma incessante luta contra o preconceito e após anos de amadurecimento jurisprudencial, a legislação evoluiu, e com a lei 14.112/20, por certo esta se encontra em sua melhor versão, e busca de todas as formas alcançar o seu objetivo, que por certo é possibilitar a recuperação de empresas em crise prezando sobretudo preservar a sua função social.
É inegável que a má utilização da recuperação judicial e principalmente as práticas criminosas contribuem para a degradação da credibilidade do sistema de insolvência brasileiro. Prevendo isso o legislador buscou garantir que estes fossem devidamente punidos, demonstrando dessa forma a eficiência e rigidez do sistema.
O caminho até o pedido de recuperação judicial é longo, mas após o pedido nada mais é como antes, e tanto a empresa quanto os sócios, administradores e colaboradores precisam entender e compreender a nova realidade, onde o Ministério Público, o Juiz por intermédio do Administrador Judicial e os próprios credores podem acompanhar e monitorar os passos da administração com o intuito de confirmar se a administração está de fato se esforçando satisfatoriamente para superar a crise.
Os credores geralmente formam um comitê de credores e inclusive tais comitês podem assim como o Ministério Público e o Administrador Judicial requererem o afastamento dos sócios e/ou administradores do comando da empresa, e certamente dada a sua relevância, tal pedido será analisado e levado em conta pelo juiz.
Como veremos a seguir, a lei de recuperação judicial prevê práticas tidas como criminosas e fraudulentas, que podem acarretar desde o afastamento da administração empresarial até ao cumprimento de pena de reclusão. E é no desespero e principalmente na falta de informação que a situação se agrava consideravelmente.
Fraude contra credores na recuperação judicial ou na falência é crime. São tipificadas as práticas que visam de qualquer forma prejudicar a coletividade de credores no artigo 168 da lei 11.101/05.
A principal intenção do legislador foi a de punir com rigor condutas que objetivem obtenção de vantagem indevida em detrimento da coletividade de credores. Tal preocupação vai de encontro com a função social idealizada para o ordenamento da recuperação judicial, pois, entende-se que uma empresa em crise não traz prejuízos apenas para si própria, e sim para a sociedade como um todo.
Caso tais práticas não fossem severamente punidas, causariam grave prejuízo social e econômico para o mercado em geral, pois, colaboraria para fomentar o descredito no ordenamento da recuperação judicial, tal como outrora ocorreu com a concordada e a própria falência em si.
Conforme podemos observar, não é apenas o empresário que poderá incorrer em prática criminosa, mas também os seus colaboradores, e esse é o principal motivo para que toda a equipe busque conhecer e entender o instituído da Recuperação Judicial, para que não cometa mesmo que de forma involuntária um fato tipificado.
E é nesse ponto que o problema começa, é corriqueiro que após o pedido de recuperação os agentes econômicos deixem na mão do corpo jurídico a condução da recuperação judicial, mantendo as atividades dos demais setores como era anteriormente, e é exatamente nessa falha que está o grande problema, é necessário que o empresário e toda a equipe entenda que é a empresa como um conjunto que está em recuperação judicial e é esperado que todos entendam os tramites, todas as obrigações e que trabalhem juntos para buscar a recuperação empresarial.
Infelizmente não é o que vemos na prática, seguindo na contramão, por vezes os administradores, em sua maioria o próprio empresário, continuam administrando a empresa da forma que sempre foi feito, em alguns casos da forma que é praticada á gerações, onde velhos vícios e atitudes que em algumas situações levaram a crise continuam sendo praticadas.
E é na ânsia de salvar seu patrimônio, por vezes seguindo conselhos rasos e duvidosos, que o empresário no lugar de buscar uma reorganização estrutural adequada e de acordo com os parâmetros legais, decide desesperadamente mitigar o seu prejuízo, mesmo que em detrimento dos credores, causando-lhes prejuízos e dessa forma incorrendo em crimes.
Não há dúvidas de que a recuperação judicial quando bem aplicada e principalmente bem estruturada é um dos únicos meios eficazes e disponíveis para o empresário em crise, mas também exige a observância de suas particularidades e exceções em relação aos demais ordenamentos jurídicos.
A estruturação da recuperação judicial exige o trabalho em equipe de todas as áreas da empresa, deste modo, constatamos que não basta estar em recuperação judicial, é necessário entender o que é estar em recuperação judicial, entender não apenas os seus benefícios, mas também suas obrigações e principalmente entender a nova realidade do grupo em recuperação judicial, onde uma coletividade de interessados vão acompanhar e fiscalizar os atos praticados.
É entender, por fim, que o interesse individual não deve se sobrepor ao interesse da coletividade, sob pena de possível prática vedada e fraudulenta.